domingo, 1 de junho de 2014

O Medo do Cinema Digital

A frase "A mudança é a lei da vida. E aqueles que apenas olham para o passado ou para o presente irão com certeza perder o futuro." pode soar muito forte para algumas pessoas quando aplicada à discussão sobre a proliferação do cinema digital no cenário cinematográfico contemporâneo. Talvez, se parassem para referenciar mais outro alguém, lembrariam da frase "Nada é permanente, exceto a mudança." e logo pensariam novamente.

Venho apelar para esse assunto inutilmente, eu sei. Mas venho de novo. E essa é uma mensagem à todos aqueles que enchem o peito para dizer que o cinema digital vai matar o cinema.
A triste incapacidade de flexibilidade das pessoas é estonteante, como diz meu avô. Uma discussão que começou há algum tempo (vide a geração de Martin Scorsese, George Lucas e Spielberg) se estendeu até os dias de hoje ganhando cada vez mais adeptos contra e a favor. Porém, o que me parece, durante todos esse anos em que eu acompanho essa discussão, é que grande parte dos defensores do banimento do cinema digital são ou saudosistas febris ou algumas pessoas catequizadas numa formula impenetrável e inflexível de fazer cinema e que temem a todo momento serem "corrompidas" pela contemporaneidade (o que as faz um tanto que saudosistas também). Muitos escondem suas pretensões de acabar com o cinema digital atrás do falho argumento de "Se acabarmos com o cinema de película, perderemos milhões de registros. É história indo pro ralo". Mas vou abrir uma janela para outro mundo à essas pessoas ao dizer que o cinema de película não precisa acabar, ambos formatos podem sobreviver. A defesa de fazer permanecer apenas um formato é de tamanha estupidez e ignorância que a pessoa acaba se equiparando àqueles pseudocinéfilos e àquelas pessoas que ligam o celular na sala de exibição. Defender um único formato é dar holofote à uma discussão que não levará à lugar algum. O formato que prevalecerá será aquele que for mais rentável e eficaz. O saudosismo perde espaço nessa discussão porque o que importa, para um verdadeiro saudosista, deveria ser o conteúdo e não o formato. E por que diabos um saudosista iria se preocupar com o futuro dessa forma? Não faz sentido.

O meio cinematográfico sempre foi cercado de Normas Desmonds por todos os lados. Quando o cinema mudo perdeu espaço para o cinema sonoro, o que diziam é que os filmes não eram mais os mesmos; e não eram mesmo. Você consegue imaginar assistir O Poderoso Chefão sem ouvir a voz imponente, e ora quase chorosa, de Marlon Brando? Ou talvez assistir à Rocky sem ouvir os gritos do garanhão italiano chamando por Adrian? O mesmo aconteceu com o cinema em cores. A mudança veio aos poucos, primeiro apenas com as grandes produções e depois proliferou-se. Tente imaginar assistir Star Wars em preto e branco e nem ao menos saber à cor dos sabres de luz que, se você parar para pensar, reflete na personalidade dos personagens. Agora tente pensar em não saber qual a verdadeira cor dos olhos de Ben-Hur no filme de mesmo nome dirigido por William Wyler. É desconcertante. Ou, tente entender Memento sem diferenciar as cenas coloridas das preto e branco; que roteiro de primeira mão iríamos perder. Em contrapartida, filmes como Metropolis, de Fritz Lang, ou Cidadão Kane, de Orson Welles, ou até mesmo Relíquia Macabra, de John Huston, não funcionariam tão bem à cores como funcionaram em preto e branco. Tanto estes, como vários outros.

É importante saber que se uma mudança vai acontecer, ela tem que agregar narrativamente e argumentativamente à obra. Se pararmos para ver o quadro geral, quando essas mudanças aconteceram, elas agregaram tanto tecnicamente quanto narrativamente ao cinema. Hoje não é diferente. O cinema digital dá à oportunidade de proliferar ainda mais a sétima arte ao dar fôlego para uma inteira geração de novos diretores, produtores, escritores e amantes da sétima arte que dificilmente conseguiriam espaço diante aos extensos degraus para realizar um filme. Fora isso, temos vantagens como a proliferação de salas em cidades com menos cidadãos, ou as tecnologias como IMAX, o 3D e a capacidade de poder assistir um filme em uma resolução altíssima na poltrona da sua casa com sua família. Isso só aumenta a conexão das pessoas com a sétima arte. Difícil aceitar que existam tantas pessoas com um pensamento tão inflexível e arcaico num cenário onde a inovação e a mente aberta deveriam ser prioridades.
Aos americanos que sustentam boa parte do cinema mundial, a frase que abriu esse post é de J. F. Kennedy, um homem que contava com a aprovação de mais da metade do povo quando eleito e que tornou-se, para muitos, um exemplo de pensador e pessoa. Quanto a frase que encerra o primeiro parágrafo, ela foi dita por Heráclito - filosofo pré-socrático que é a prova de que mesmo na Grécia Antiga, seres humanos já eram flexíveis e mente aberta. Essa frase foi de um pequeno capricho meu e que representa, em poucas palavras, meu argumento resumido à todos que ainda defendem essa ideia de escolher um lado.

Por essas e outras razões, eu não sou contra cinema digital. Eu sou contra pessoas te empurrando à escolher um lado como se, ridiculamente, o formato importasse mais que o conteúdo.

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